Ultimamente, não sei se pela influência do calor estival, aqui no Hemisfério Norte, claro incentivador de uma modorra interminável, a verdade é que sempre que pego na caneta para escrever umas linhas sobre Angola, vai-se me a vontade.
Por Carlos Pinho (*)
Começa a não haver pachorra para a incompetência, preguiça e desonestidade contumazes dos dirigentes do país. Sejam quais forem os níveis directivos de que estejamos a falar.
Por isso, e a contragosto, porque sou uma animal de Verão, ou não tivesse nascido em Angola, o fresquinho das poucas manhãs outonais que por cá já tivemos, talvez me tenha dado ânimo para tecer uns comentários sobre a obra de arte que nos foi apresentada na última edição do Folha 8 e que também tem sido notícia no Valor Económico. Aliás, tal obra de arte, que me parece mais um esquema para defraudar o estado valeria, segundo o Folha 8, mais de 500 milhões de dólares americanos, mas que agora segundo o Valor Económico, já ultrapassa os 700 milhões de dólares americanos. É obra!
Segundo rezam as crónicas destes dois jornais, trata-se de um calote do estado angolano à empresa Angoskimas, devido a fornecimentos feitos por esta nos longínquos anos de 92, 93, 94, 95, 96, 97, do pretérito século. E, pasme-se, segundo afirmações do Governador do Cuando Cubango, o último montante, acima dos 700 milhões de dólares americanos, é fruto de uma correcção patriótica dos montantes envolvidos inicialmente, da ordem dos 5 mil milhões de dólares americanos, levada a cabo por Sua Excelência o Governador da referida província, o senhor Júlio Bessa. Caramba! Tanto patriotismo! Quem me dera ser um patriota assim! Ganhava logo uma carrada de condecorações!
Então pus-me a pensar, com aquela massa toda, devem ter construído um pipeline de Luanda até ao Cuando Cubango, para debitar caudais não despiciendos de cerveja, refrigerantes, água mineral e quiçá champanhe francês. Devem ainda ter criado uma imensa cadeia transportadora de vitualhas de primeira categoria, lombinhos de vitela com champignons (assim uma coisa afrancesada para ser mais chique, o champanhe só não bastava), sem esquecer é claro o mufete, a muamba, o cabrito, o funge, rios de funge, eu sei lá. Afinal a guerra que teve lugar, naqueles tempos, lá pelas terras do fim do mundo, não passou de um regabofe alimentício. E agora o país terá de pagar a conta de tantas tainadas. Ena pá, já estou cheio de água na boca, só de pensar em tão rica ementa!
Esperem lá! Não se terão enganado no nome da empresa? Angoskimas? Não será “mazé” mais um “Angoesquema”? Então durante todos estes anos os governadores e outros dirigentes políticos que por lá passaram não deram pelo tal fornecimento de bens diversos e géneros alimentícios? E os militares? E os comerciantes e empresários? Pelo que vejo do texto do Valor Económico, quem por lá andou a dar o corpo ao manifesto nunca viu sequer miragem de tais efabulações. E, o governo central do país não tinha uma contabilidade de tais fornecimentos de géneros alimentícios e outros bens? Ele há cada esquema! Mas pior que o esquema proposto por alguns, são os que fecham os olhos ou são coniventes com tais manobras.
No fundo, quando penso em Angola, lembro-me sempre de um anúncio de pilhas alcalinas que não há muitos anos passava na televisão portuguesa. Tinha um bonequinho de pelo branco que, alimentado pelas tais pilhas alcalinas, não parava de tocar tambor. E o slogan final do anúncio dizia: E dura! E dura! E dura!
Pois, em Angola, há 45 anos, quase 46, a querida Angola do MPLA, é tal e qual o dito anúncio. Os esquemas para “receber” dinheiro do estado, duram, e duram, e duram.
E o chefe mor, lá anda de avião fretado a mandar banga lá pelas Américas e Europas.
E manda banga! E manda banga! E manda banga!
Espero que além da banga tenha percebido porque é que ninguém de perfeito juízo o recebe na Casa Branca.
Ninguém põe ordem no pagode! Não há vergonha na cara! Ninguém vai para o olho da rua!
E o esquema dura, e dura, e dura. E o povo angolano, pena, e pena, e pena!
(*) Professor na FEUP – Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.
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